segunda-feira, 16 de julho de 2012

(dis)parada
















não era marcha nem desfile 
nem carnaval
era tudo e mais um pouco
o desbunde total

disparada a largada
despertada a orgia
era a fome da carne, do beijo
do prazer banal
era a dada a alforria
das taras, dos medos e pesos
daquela prisão moral

ser tão somente seres
eles por eles
elas por elas
sem portas e segredos
quartos e janelas
tesão sem despeito
pecado de igual pra igual

não era protesto nem ousadia
era apenas romance
e um pouco de putaria
mas que os espiassem
nas ruas, na praças
trepados numa árvore
e destilassem o rancor
a insuspeita vontade
ou a inveja normal

mas que os encarassem
pelo menos um dia
deleitando-se livres
até o último suspiro da noite
um abraço quente na noite fria
como qualquer casal

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

pleonásmico














ainda vou entrar pra dentro
do seu quarto bagunçado
trancar sua porta
trancar suas pernas a mim
e jogar a chave fora

só deixar sair pra fora
as saudades, as vontades, as verdades
escondidas no seu criado-mudo
mais íntimo e depravado

o resto vou fechar tudo
pra gente gritar alto e calar mudo
loucos da cabeça
até o espelho ficar cego
e o corpo ficar surdo

depois subir pra cima das paredes
e do teto feito aranha
te observar dormindo
como a indefesa presa ao relento
e preparar a teia pro próximo bote

e pro seu bote voltar nadando
na água salgada do seu corpo mar
que doce se torna no leito desfeito
ao descer a descida da ladeira até a lombar
com lambidas nas ancas largas e pérfidas
sambar e cantar nas curvas e vielas
das áreas mais boêmias e periféricas
até a apoteose do recôndito ventre

e então entrar na chuva pra se molhar
e até me queimar no fogo fátuo
da fogueira faceira do seu olhar
de júbilo e regozijo
inocentemente indecentes olhos
que olham o nada e o infinito

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

esfumaçado céu da boca

















me preparo pra ser lançado violentamente à rua 
junto com a fumaça, uma cusparada direta 
dos brônquios acesos da viciada urbe
aos olhos injetados de um transeunte 


e enquanto eu planava em queda livre
ela flanava vagarosa no ar
até se encontrar com as baforadas do ônibus, 
da fábrica e do bar


dou um tempo e acendo um cigarro 
a fumaça que expiro me faz pensar
que não é só a gente que consome o planeta 
ela também fuma nossa existência 
não é sua culpa, ela foi viciada
antes de você, de mim
da alma virar maço e ser industrializada 


enquanto acesos 
o mundo friamente nos inala
em compulsiva e dissimulada calma
consome vida e excreta fumaça
fotossíntese ao avesso 
depois joga a guimba na praça 
me torno também seu veneno 
pessoas fumam diariamente
eu causo dependência, asma e pigarro
pra não ser tragado rapidamente
mas prefiro ser o prazer de alguém 
do que o catarro escarrado pelo mundo
na cara de um zé ninguém


e enquanto não me apagam
e o mundo não morre de câncer
no esfumaçado céu sem estrelas
espero, queimo teimosa e lentamente
um cigarro amargo apenas 
ardendo em brasa indecente 
estuprando pulmões
se alimentando do alheio ar
esperando o beijo molhado
da próxima boca 
que irá me tragar